Deficiência e inclusão no Brasil e Portugal

O que significa inclusão? Como as pessoas com deficiência podem garantir seus direitos na sociedade? Quais as diferenças da deficiência e inclusão no Brasil e Portugal? Quais leis e instituições protegem os direitos das pessoas com deficiência? Este artigo pretende responder estas e outras perguntas relacionadas a este assunto.

Inclusão da pessoa com deficiência

Você já presenciou algum caso em que uma pessoa com deficiência precisasse exigir um direito básico? Como por exemplo entrar em um estabelecimento ou circular em uma cidade com segurança? Este artigo trata da deficiência e inclusão no Brasil e Portugal, propondo  uma discussão acerca da dignidade da pessoa humana. Tem o foco no exercício da cidadania pelas pessoas portadoras de deficiência física e a utilização de ações afirmativas como forma de inclusão na sociedade. O texto traz um apanhado dos ordenamentos jurídicos pátrios brasileiro e português, bem como as declarações universais de Direitos Humanos

Deficiência e Inclusão dentro da sociedade  

 A concretização do princípio da dignidade da pessoa humana é um desafio universal. Os Estados, em suas soberanias, buscam mecanismos para assegurarem a aplicabilidade deste princípio, bem como das garantias fundamentais relacionadas, em busca de uma sociedade mais inclusiva.

Analisaremos a proteção da pessoa humana como o fundamento principal da ordem jurídica, considerando seus valores intrínsecos como a força motriz da sociedade em um contexto universal. O conceito de cidadania sempre esteve relacionado com a vida em sociedade. A noção de cidadania vem sendo adaptada ao momento histórico em que ela está presente, sendo consolidada de acordo com as transformações da sociedade.

 Para compreender a realidade da deficiência e inclusão no Brasil e Portugal, é possível perceber que a cidadania confere ao indivíduo direitos e liberdades políticas. Da mesma forma que atribui deveres, sendo uma forma de exercício do princípio democrático, envolvendo direitos sociais e econômicos, como a saúde, a educação, dentre outros, que permitem a participação do cidadão no Estado de Direito Democrático.

A Constituição da República Portuguesa e a Constituição da República Federativa do Brasil delimitam os grupos de indivíduos considerados cidadãos portugueses e brasileiros, respectivamente. Ambas garantem o direito à igualdade como um direito fundamental e basilar do Estado Democrático. Desse modo, o exercício da cidadania deve ser vivido de forma plena por todos os cidadãos, independente de ser portador de alguma deficiência ou não.

O princípio da igualdade é um meio de assegurar que o Estado atue de forma justa com os seus cidadãos em relação a todos os direitos, inclusive, quando for necessário agir buscando a equidade de forma compensatória. Por isso, é importante entendermos se há diferenças nos direitos e deveres de pessoas com deficiência no Brasil e Portugal.

O jurista brasileiro, Daniel Sarmento, afirma que o princípio da igualdade não se restringe à igualdade formal. Deve ser levado em consideração que, em uma sociedade que deseja a inclusão, é necessária a aplicação de mecanismos para promover a igualdade material entre as pessoas, como forma de aplicação do próprio ordenamento jurídico, para reduzir os desníveis sociais e de poder que existem.

Assim, pessoas com deficiência, na condição de cidadãos, devem ser receptores tanto dos direitos essenciais comuns a todas as pessoas, quanto de uma proteção especial como forma de tutela e garantia dos direitos fundamentais, com foco na dignidade da pessoa humana, sendo valor intrínseco dos indivíduos.

Em Portugal, as pessoas com deficiência podem exercer com totalidade seus direitos e se sujeitar aos deveres legalmente previstos na Constituição, com exceção daqueles deveres que essas pessoas não possuam capacidade de exercer.

A legislação entende que a inclusão é essencial para pessoas com deficiência na sociedade. Podem ser utilizados diversos mecanismos para que o indivíduo seja inserido de forma efetiva, como as ações afirmativas, denominadas discriminação positiva ou políticas de cotas, em prol de concretizar a dignidade da pessoa humana e reafirmar a condição de cidadão, em busca de uma igualdade real. Assim, notamos que são semelhantes as características jurídicas sobre deficiência e inclusão no Brasil e Portugal.

Também veremos a seguir o exercício da cidadania pelas pessoas com deficiência, a luz do princípio basilar universal da dignidade da pessoa humana, visto como um modo de assegurar o exercício dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos. Além da aplicação do princípio da igualdade, visando a inclusão daqueles que, de certa forma, carecem de maior auxílio dos Estados nacionais.

 

Deficiência e inclusão no contexto histórico

A história da humanidade é marcada por uma lenta evolução referente à pessoa humana e à sua dignidade, marcada por revoluções e guerras que influenciaram a formação de tal conceito. Analisando uma visão internacional atual, os Estados buscam efetivar a dignidade da pessoa humana como núcleo da ordem jurídica internacional.

Dentro de um contexto histórico, com o pensamento romano, a pessoa detentora de dignidade era a que possuía status na sociedade. Nesse sentido, Luís Roberto Barroso define que o primeiro sentido de dignidade estava associado a um status superior, uma posição social mais alta, enquanto categorização dos indivíduos.

Com o pensamento jusnaturalista, nos séculos VXII e VXIII, surge a ideia de laicização da concepção de dignidade da pessoa humana. Bastava para isso, ser humano para ser detentor de dignidade, não sendo necessário ser cristão. Nesse sentido, a filosofia kantiana entende o conceito de dignidade como parte da autonomia ética do ser humano, sendo esta autonomia o fundamento da dignidade do homem.

Ao verificarmos os Direitos Humanos, podemos entender que este foi o primeiro passo em direção à ideia de que haviam direitos comuns a todos os indivíduos. Nessa seara, a Magna Carta foi um marco decisivo para nova era de garantias individuais. Com o processo de maturação da sociedade, outras declarações foram desenvolvidas, como a Petição de Direitos de 1629, a Lei de Habeas Corpus,de 1679, e o “Bill of Rights”, de 1689.

Semelhantemente, em 1776 a Declaração de Independência dos Estados Unidos inaugurou um novo cenário de proteção do indivíduo, afirmando os princípios democráticos na história política moderna. Em seguida, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, foi o primeiro elemento constitucional do novo regime político.

A Revolução Francesa e a Independência Americana consagram a experiência inglesa da Magna Carta, de 1215, passando a vertente de proteção internacional da pessoa humana para o núcleo da ordem jurídica internacional, servindo como parâmetro das Constituições vindouras.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Resolução 217 A (III), da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1948, considera a dignidade inerente a todos os homens e seus direitos iguais e inalienáveis, como fundamento da liberdade, da justiça e da paz mundial. É, portanto, o primeiro instrumento de universalização dos direitos humanos.

Nesse sentido, a dignidade da pessoa humana passa a ser fundamento da liberdade e o principal valor da ordem jurídica internacional. Serve de parâmetro das Constituições dos Estados nacionais, como base fundamental do Estado de Direito Democrático. A Constituição Brasileira e a Portuguesa seguiram a tendência axiológica, determinando a pessoa humana como núcleo do ordenamento jurídico. Por isso, é importante entender a deficiência e inclusão no Brasil e Portugal.

É correto afirmar que, não havendo respeito pela vida e integridade física e moral do ser humano, pelo mínimo existencial para uma vida digna, não havendo limitação ao poder, nem respeito à autonomia, à liberdade, à igualdade e aos direitos essenciais, não há que se falar em dignidade da pessoa humana, visto que ela vira o foco das injustiças.

Nessa linha de raciocínio, Miguel Reale entende que a pessoa precisa ser definida e tratada como valor fonte do ordenamento jurídico. A sua dignidade é o pressuposto principal do sistema constitucional em relação aos direitos fundamentais e direitos humanos.

 

Princípio da dignidade da pessoa humana em contexto universal

A ideia fundamental do princípio encontra raízes no pensamento cristão, levando em consideração a visão de que o homem foi concebido e criado à imagem e semelhança de Deus. Nesse sentido, a pessoa é considerada portadora de atributos próprios e intrínsecos, que a torna dotada de dignidade. Portanto, o homem possui um valor próprio e não pode ser transformado em mero objeto, independente de suas características físicas ou psicológicas.

Laércio Dias de Moura afirma que a palavra “pessoa” é tida como uma linha de demarcação entre a cultura cristã e a pagã, uma vez que até a existência do cristianismo, não havia uma palavra para conceituar a pessoa. Na cultura clássica, este conceito não existia. A tal cultura não valorizava a pessoa como indivíduo, seu valor dependia do seu grupo, da sua categoria, da sua família e da sua raça.

A dignidade da pessoa humana deve ser promovida, reconhecida e protegida pelo Estado, mas não pode ser retirada de forma alguma, devendo considerar a igualdade entre os indivíduos em sua promoção. O jurista brasileiro Luís Roberto Barroso entende que a dignidade da pessoa humana se refere a uma locução abstrata, não tendo valia jurídica em si. Para o jurista, existem três conteúdos fundamentais da dignidade: o valor intrínseco, a autonomia e o valor social da pessoa humana.

O autor determina ainda que, no âmbito jurídico, o valor intrínseco da pessoa humana pode ser originado por diversos direitos fundamentais, de modo a impor a inviolabilidade de sua dignidade. Em relação aos direitos sociais, Luís Roberto Barroso determina que a dignidade está intrínseca e implícita, sendo que para ser livre, igual e capaz, o indivíduo necessita que seus direitos sejam colocados em prática. A dignidade da pessoa humana, desse modo, se molda na liberdade, sendo também limitada por esta.

A dignidade se configura como um valor universal, independente das diversidades socioculturais dos povos, ganhando importância no âmbito interno dos Estados. Possui previsão constitucional em diversos países, sendo que, muitas vezes, faz parte da estrutura organizacional do próprio Estado, como um pilar fundamental do Estado de Direito Democrático.

Nessa perspectiva, mesmo levando em consideração as diferenças físicas, intelectuais e psicológicas dos homens, todos são detentores de igual dignidade. É comum a todas as pessoas humanas, de modo a distinguir a pessoa de outros seres e das coisas. Sendo assim, os direitos, liberdades e garantias pessoais têm seu fundamento na dignidade da pessoa humana, de todas as pessoas, individualmente, de forma igualitária.

Em Portugal, a lei entende que a dignidade da pessoa humana é determinada como uma das esferas constitucionais da República Portuguesa. Considerando a dignidade da pessoa humana como pilar republicano em Portugal e referência valorativa do Estado de Direito Democrático, entende-se que a pessoa deve ser a razão de ser da sociedade e do próprio Estado. O constitucionalista Jorge Miranda entende que a dignidade da pessoa humana e a dignidade humana são conceitos distintos, visto que a dignidade da pessoa humana está voltada ao homem concreto e individual, enquanto a dignidade humana está relacionada com a qualidade comum a todos os homens, em conjunto. Assim, a comunidade política é fundada na dignidade da pessoa humana. A Constituição garante o afastamento de interpretações autoritárias que possam permitir o sacrifício dos direitos individuais em nome de pretensos interesses da coletividade.

Quando o enfoque é voltado para as pessoas com deficiência, que não possuem as mesmas chances que a generalidade, pessoas que possuem dificuldade de implementação de um mínimo existencial, que não são capazes nem mesmo de utilizarem um transporte público que não seja acessível, a dignidade da pessoa humana deve ser o vetor principal na tomada de decisões para garantir a efetividade desse princípio.

Nessa concepção, partindo da premissa que a dignidade da pessoa humana é um princípio fundamental universal, que suscita a proteção dos direitos e garantias fundamentais nos Estados democráticos aos cidadãos, passaremos a analisar o princípio da igualdade e a não discriminação como forma de assegurar a dignidade da pessoa humana aos portadores de deficiência.

 

O princípio da igualdade e não discriminação

Todo ser humano é detentor de dignidade, mesmo que ostente atributos particulares, definidos pelo contexto histórico cultural e por questões fisiológicas dos seres humanos. Portanto, a dignidade da pessoa humana é individual, consagrando diversas características intrínsecas do ser humano.

Nesse sentido, a dignidade da pessoa implica na obrigação geral de respeito da pessoa com deficiência, independentemente de suas diferenças, devendo ser assegurado o princípio da igualdade e a não discriminação, como direitos correlatos à dignidade da pessoa humana em um Estado de Direito Democrático.

No Brasil, a igualdade é um princípio supraconstitucional, determinado como direito e garantia fundamental, que sobrepõe às demais normas jurídicas. Dispõe que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, não se admitindo qualquer forma de discriminação, sendo um direito inviolável.

O Direito português determina que o princípio da igualdade é estruturante do regime geral de direitos fundamentais. A igualdade jurídica é indissociável da própria liberdade individual. O consagrado doutrinador português, J. J. Canotilho, entende que este princípio é direcionado ao legislador, que deve ser vinculado à criação de um direito igual para todos. Não se trata apenas de um princípio de Estado de Direito, mas sim de um princípio de Estado Social.

Dessa forma, são vedadas as discriminações e diferenciações arbitrárias. As liberdades materiais objetivam a igualdade de condições sociais, sendo uma meta a ser atingida não apenas pelas leis, mas na aplicação de políticas ou programas de ação estatal. Assim, visando a igualdade e inclusão das pessoas, como é o caso das pessoas com deficiência.

O princípio da igualdade tem por finalidade limitar o legislador ao exercício de sua função constitucional de editar normas. Tendo sob pena de inconstitucionalidade, o particular em relação à sua conduta, uma vez que não pode se fundar em condutas discriminatórias ou preconceituosas, sob pena de responsabilidade civil e penal, nos termos da legislação em vigor. Em relação à autoridade pública, que vai fazer a interpretação e aplicação do direito, é vedada qualquer criação de desigualdades. O judiciário também deve observar este princípio, em prol de proporcionar a aplicação da lei de forma igual.

O princípio da igualdade deve pautar a proibição de discriminação quando tratamos de pessoas com deficiência, sendo um reflexo da almejada justiça social, emblema do Estado Democrático de Direito. Deve estar presente na regulação de benefícios necessários para o estabelecimento desta mesma igualdade para determinadas situações de pessoas com deficiências.

Por fim, prever a existência de diferenças, reconhecer as dificuldades de determinadas pessoas e possibilitar condições de inclusão para as pessoas com deficiência é prestigiar o princípio da igualdade e uma forma de evitar a discriminação. Portanto, entende-se que o princípio da igualdade deve ser aplicado no contexto da cidadania das pessoas com deficiência, como forma de garantir que a proteção da dignidade da pessoa humana não seja para grupos seletos, e sim para todos e de forma não discriminatória.

 

Cidadania, deficiência e inclusão no Brasil e Portugal

No plano dos direitos sociais materialmente fundamentais, a dignidade também se encontra subjacInclusão da pessoa com deficiênciaente, merecendo destaque o conceito de mínimo existencial. Para ser livre, igual e capaz de exercer sua cidadania, todo indivíduo precisa ter satisfeitas as necessidades indispensáveis à sua existência física e psíquica, ainda que uma pessoa com deficiência, merecendo destaque na segurança dessas garantias.

Sob o viés contemporâneo, a noção de cidadania deduz o acesso aos direitos sociais e econômicos, possibilitando ao cidadão o desenvolvimento de todas as suas potencialidades. Estão entre elas a participação de forma ativa, organizada e consciente da construção da vida coletiva no Estado de Direito Democrático. Desse modo, o conceito de cidadania possui uma grande amplitude constitucional, sendo um aspecto central na relação entre o Estado e a Pessoa.

Quando tratamos das pessoas com deficiência, analisamos que a integração delas na sociedade é exercida pela cidadania social, que tem na seguridade social a sua principal essência. A necessidade de promoção da seguridade social se dá pelo histórico vivenciado pelos cidadãos portadores de deficiência.

A compreensão da deficiência deve ser vista como um conceito em evolução, analisando sempre os momentos históricos, para que assuma um sentido cada vez mais amplo. Sendo assim, o conceito de deficiência passou por uma série de mudanças que acarretaram o aperfeiçoamento e a criação de mecanismos estatais para atender as necessidades das pessoas com deficiência. Durante muito tempo, a deficiência foi apresentada como uma tragédia individual, sendo um fator de exclusão, discriminação e segregação. Com o avanço da medicina, a ciência passou a entender a deficiência com uma visão diferente, em que a pessoa possui uma patologia.

Na década de 60, com os constantes movimentos sociais de luta por direitos humanos e respeito pelas diversidades, surgiu uma concepção social da deficiência. Este modelo possibilita que a pessoa com deficiência tenha controle de sua vida e o poder para tomar decisões no meio social, permitindo a sua atuação ativa como cidadão.

De acordo com a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, as referidas pessoas são aquelas que tem impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.

Estudos internacionais correlacionam a deficiência com a pobreza e a exclusão social, visto que as pessoas mais pobres têm uma grande chance de adquirirem uma deficiência ao longo de suas vidas. Do mesmo modo que a deficiência pode acarretar em pobreza, uma vez que as pessoas com deficiência são vítimas de discriminação e marginalização.

Desse modo, fica clara a necessidade de mecanismos para reverter a situação dessas pessoas, visando a efetivação da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Em razão dos princípios da universalidade e da solidariedade, cabe ao Estado proporcionar condições mínimas aos portadores de deficiência para que eles sejam inseridos na sociedade, podendo estudar, trabalhar, viver com independência e dignamente.

 

A inclusão de pessoas com deficiência na sociedade

As pessoas com deficiência têm direitos de cidadania como todas as outras, entretanto, por sofrerem algumas limitações, acabam necessitando de uma ação estatal mais abrangente como forma de garantir a inclusão na sociedade. Infelizmente, a exclusão e a discriminação das pessoas com deficiência não são realidades do passado.

Destacamos aqui dois métodos para combater a discriminação das pessoas com deficiência. O primeiro se refere às normas, regras e aos mecanismos repressivos que tendem a impedir que a discriminação ocorra, inclusive com a previsão de sanções. O segundo, é voltado ao combate da exclusão por políticas de inclusão do deficiente na sociedade.

A Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi adotada pela Organização das Nações Unidas como uma resposta da comunidade internacional à longa história de discriminação, exclusão e desumanização das pessoas com deficiência. É um importante mecanismo para a alteração da percepção da deficiência, reconhecendo que toda pessoa precisa desfrutar de meios para alcançar o seu potencial de forma plena.

A atual Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi ratificada por diversos países, dentre eles Portugal e Brasil, reconhecendo que a deficiência é um conceito em construção e observa as difíceis condições enfrentadas por essas pessoas que são vítimas de diversas formas de discriminação. Seu objetivo é promover o pleno exercício dos direitos humanos por pessoas com deficiência, demandando medidas dos Estados para a implementação desses direitos, proibindo a discriminação, bem como promovendo a igualdade, para que os deficientes gozem de sua cidadania como qualquer pessoa.

Em relação aos direitos sociais na Constituição da República Portuguesa, a inclusão por meio de políticas estatais é uma forma de assegurar o princípio da igualdade. Prevê ainda as ações afirmativas, ou discriminação positiva, para os cidadãos com deficiência, de modo que o Estado deve garantir condições materiais para a satisfação dos direitos destes cidadãos.

Não restam dúvidas que em um Estado de Direito Democrático, todos são considerados iguais perante a lei. Entretanto, é necessária uma garantia dessa igualdade na vida prática, quando analisamos as oportunidades e necessidades das pessoas. É válido levar em consideração que as pessoas com deficiência precisam de um auxílio maior do Estado para serem incluídas na sociedade.

Visando a aplicação efetiva das ações afirmativas, Portugal dispõe da Lei 46/2006, que estabelece em seu artigo 3º que a discriminação positiva é uma das medidas destinadas a garantir o exercício e gozo dos direitos às pessoas com deficiência, em condições de igualdade.

Analisa-se, ainda, que a Lei nº 38/2004 determina de forma expressa a inclusão da discriminação positiva, ao definir a necessidade de igualar os desiguais, estabelecendo que a pessoa com deficiência precisa ser beneficiada com medidas positivas como forma de superar uma situação de desigualdade advinda da deficiência. Desta maneira, define como princípios fundamentais a singularidade, a cidadania, a não discriminação, a autonomia, o princípio da informação, da participação, da globalidade, da qualidade, da primazia da responsabilidade pública, da transversalidade, da cooperação e o princípio da solidariedade.

Assim, a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 3.956, de 8 de outubro de 2001, estabelece que as ações afirmativas não são uma prática discriminatória. Elas visam promover a integração social ou o desenvolvimento pessoal dos portadores de deficiência, desde que a diferenciação ou preferência não limite em si mesma o direito à igualdade dessas pessoas e que elas não sejam obrigadas a aceitar tal diferenciação ou preferência.

No Brasil, o Decreto nº 3.298/99 regulamentou a Lei nº 7.853/89, instituindo a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, de modo a compreender o conjunto de orientações normativas que visam assegurar o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiência.

Do mesmo modo, a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando a sua inclusão social e cidadania.

Na perspectiva de inclusão das pessoas com deficiência na sociedade, é fundamental entender que o direito à educação é extremamente relevante nesse contexto, visto que deve ser viabilizado a todas as pessoas, sendo uma política pública indispensável para a conscientização e aprimoramento da sociedade. A educação inclusiva é o modo mais eficaz de construir a solidariedade entre as crianças com alguma deficiência, evitando a segregação.

Nesse contexto, a doutrina busca discutir os limites da discriminação positiva, para não permitir uma desigualdade baseada em privilégios, que seria além do necessário para promover a inclusão das pessoas com deficiência. Por isso, é fundamental a aplicação de regras delimitadas ao grupo social que visa atingir, não abrindo brechas para que essas ações afirmativas se transformem em um problema para a busca da equidade, como é o seu principal objetivo.

 

O que podemos concluir sobre deficiência e inclusão no Brasil e Portugal?

A dignidade da pessoa humana deve ser o fundamento das relações entre o Estado e as pessoas, bem como o princípio da igualdade deve pautar a sociedade. Assim, a igualdade entre as pessoas é fundamental, como forma de assegurar a dignidade da pessoa humana e por promover equivalência a todos os seres humanos, devendo ser propiciada pelo Estado, de modo que as necessidades individuais sejam atendidas.

É transparente a necessidade de cooperação da sociedade para inclusão das pessoas com deficiência, respeitando os mecanismos estatais de promoção da igualdade e da dignidade da pessoa humana, como forma de evitar a discriminação e eliminar o preconceito.

Ainda que existam diversas normas de caráter internacional e positivadas nos ordenamentos jurídicos nacionais, é evidente a existência de um preconceito enraizado na sociedade em relação às pessoas com deficiência e apenas uma potente atuação estatal será capaz de eliminar essa discriminação e promover a inclusão social.

A utilização da política afirmativa, também denominada discriminação positiva, é uma forma de garantir a inclusão das pessoas portadoras de deficiência na coletividade, possibilitando que estas participem ativamente da vida cotidiana, decidindo com autonomia como irão exercer as suas cidadanias.

É essencial que seja reconhecida a singularidade inerente às pessoas com deficiência, considerando as circunstâncias e necessidades pessoais destas, como forma eficiente de possibilitar a inserção dessas pessoas no contexto universal.

Conclui-se que os Estados devem atuar de forma cooperativa buscando a concretização das políticas de inclusão dos cidadãos portadores de deficiência, promovendo efetivamente a igualdade de oportunidades, no que tange à igualdade material, como forma de promover a dignidade da pessoa humana, tanto na República Portuguesa e na República Brasileira, como no contexto internacional.

 

 

CAMILA SOUZA DA CRUZ FERREIRA OLIVEIRA

Advogada no Quintão & Lencastre Advogados Associados. Mestranda em

Ciências Jurídicas pela Universidade Autônoma de Lisboa – UAL. Graduada em

Direito pela Universidade Federal Fluminense – UFF. Membro Fundadora do

Núcleo de Estudos em Direito Contemporâneo – NEDC.